A difícil arte de fazer jornalismo local sustentável ou, simplesmente, o jornalismo comunitário
Eu comecei a fazer jornalismo no fim dos anos 1990 e por sorte (ou azar), comecei exatamente com jornalismo comunitário, aquele que é focado numa determinada região, algo para ser pequeno, direcionado para uma comunidade, bairro, região. No meu caso, minha primeira experiência como jornalista foi com a Folha de Sulacap, inaugurada em agosto de 1997. Então, lá se vão 23 anos de profissão, a ser comemorados em dois meses. O meu primeiro editorial dizia que “um sonho se realizou” e que agora podíamos dizer que tínhamos “um jornal do nosso bairro”. Complemento a primeira parte do texto, dizendo que o jornal “falará dos fatos ligados ao nosso bairro, que ainda é carente de vários itens, os quais nosso governo acha que não existe ou simplesmente não reconhece”. Nesse ponto, o do reconhecimento, que abro esse artigo, pois o jornalismo comunitário hoje tem fortes dificuldades de reconhecimento junto a muitos comerciantes e moradores. Pasmem, mas nos dias atuais se inverteu a relação.
O ente público vê a importância da imprensa alternativa e comunitária, enquanto outros dão menos crédito. Com ao advento do encerramento de atividades de jornais impressos, essa (in) diferença ficou ainda mais latente. Não obstante, até as grandes empresas jornalísticas também tiveram que se adequar ao novo momento de multimídia (quando um profissional precisa atender múltiplas plataformas) e demissões aconteceram, buscando tornar a estrutura mais enxuta. Se nos grandes há dificuldades, que dirá dos pequenos jornalistas, como eu. Para piorar, quem tem destaque hoje em dia são youtubers focados em entretenimento ou comédia pastelão, se preterindo a notícia, o órgão noticioso ou até o entretenimento profissional. Claro, nem todos sofrem com a desmobilização popular na busca por notícias. A internet democratizou tanto, que até páginas “informativas” ideológicas, mesmo que notoriamente reconhecidas como disseminadoras de teorias da conspiração ou notícias falsas (fake news), ganham credibilidade sem nunca terem merecido. Mas em geral, o povo adora um sensacionalismo barato. Ele até dura pouco, mas nesse percurso, dizimam profissionais. É a vida. O mercado é assim. Uns sobrevivem, outros morrem e a vida segue.
Após o Sulacap News, continuei com a Folha Global e Folha Objetiva, que tinham um tiragem de 35, 40 mil exemplares/mês, atingindo da Mallet a Praça Seca, numa distribuição porta a porta que durava mais de uma semana. Era estafante, mas revigorante, pois o povo aguardava ansioso o jornal. E os comerciantes acreditavam. Comercialmente e jornalisticamente, esses pequeninos jornais tiveram representatividade e força. Hoje, impressos são raros e o mundo digital tomou corpo, espaço. Nesse pequeno espaço de tempo, mais de 10 anos de trabalho fazendo jornalismo comunitário, até meados de 2010.
Depois de um período mais focado em estudos e passagem até pelo famoso jornal O Balcão, onde fui chefe da produção (local que montava jornal e publicidades), passei pela TV onde cheguei a ser repórter da RedeTV por alguns anos, para depois trabalhar em assessorias de imprensa e, depois de anos, retornar ao jornalismo comunitário com o Sulacap News, mas agora no mundo digital. Obviamente, tive que estudar e me especializar na nova plataforma e depois de quatro anos, creio que posso afirmar que deu certo, até mesmo com a experiência em tentar manter um jornal impresso por um ano. Os custos não permitiram continuar, pois fazer jornal impresso hoje é muito caro. Mesmo assim, saldo positivo.
Hoje em dia, a dificuldade maior é fazer o comerciante local enxergar que o trabalho virtual, na internet, com portal de notícias e redes sociais, é algo digno e que merece remuneração. Em grande parte, desmerecem o trabalho. Eu já ouvi, por exemplo, que “você só posta na internet, não tem trabalho nenhum e quer cobrar por isso?”. Essa pessoa, assim como outros que não expõe essa opinião (mas concordam com ela), esquecem que foi através de um trabalho jornalístico e de administrador, que uma página que tinha 1.000 e poucos seguidores em 2016, hoje tem mais de 40 mil seguidores e tem audiência semanal de mais de 200 mil pessoas. Quem pensa que “foi só postar”, esquece das estratégias de comunicação envolvidas, para fidelizar um público num produto de qualidade e que, além de ser porta-voz do morador, busca melhorias para a região. As denúncias encaminhadas para instituições públicas através de várias denúncias feitas pelo Sulacap News, comprovam a eficiência e importância. Tudo isso graças ao trabalho de “só postar”. Ledo engano, pois antes de postar tem todo um trabalho envolvido (e regras jornalísticas) até postar.
Jornalismo comunitário não quer dizer trabalho comunitário. Para o jornalista independente sobreviver, precisa de recursos que vêm das propagandas e doações voluntárias. Não à toa, a realidade é a existência de pouco jornalismo comunitário, aquele verdadeiramente focado numa determinada região. Os poucos que existem, realizam grande trabalho de benefício à comunidade e comerciantes, pois acreditaram que um jornalismo local colabora e ajuda no crescimento de todos. Não é ideologia ou política, mas sim, focar no papel social do jornalismo independente, comunitário, de base e mais perto do cidadão. Nem todo buraco ou poda de árvore sai no RJTV ou Record. Por isso que o papel do jornalismo comunitário, também conhecido como jornalismo local sustentável pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), desempenha importante papel na sociedade. Um curso que fiz da ABRAJI mostrou que as comunidades que não tem imprensa, são as que menos têm acesso ao aparato público. Sabia disso? Que onde não tem imprensa é onde menos o ente público mostra serviço? Sim, cobrar e “só postar” dá trabalho, mas incomoda o governante, que se vê obrigado a atender, pois está se dando publicidade a falta de competência dele em atender ao povo e cumprir a obrigação institucional. Logo, fica claro que o papel da imprensa “pequena”, do jornalista local é fundamental no processo. Mas muitos ainda não acreditam.
Mas eu confesso que ser jornalista é um dom, um desejo e uma realização. É satisfatório em ter a ciência que está colaborando com a(s) comunidade(s) de alguma forma, mas só isso não coloca comida em casa ou sustenta a família. Não à toa, jornalistas comunitários são tão poucos. Novamente, e infelizmente, é a vida.
Após quatro anos de Sulacap News e uma grande audiência para um veículo tão pequenino, esse jornalista está satisfeito pelo trabalho, mas sempre busca atualizações e especializações, nunca esquecendo que o cidadão é pauta principal e ajuda a conduzir o bom trabalho que realizo. A esses, meu muito obrigado.
O trabalho continua, mesmo com todas as dificuldades e obstáculos. Mas manter o bom trabalho, seriedade, é o que resta a esse jornalista. Ainda acredito no jornalismo comunitário, local e sustentável. Ainda acredito que nada supera o trabalho, mesmo com “ervas daninhas” torcendo pelo fracasso.
Sigo no bom combate, preservando a fé que essa corrida será bem completada, certo que a verdade e o trabalho profissional sempre prevalecerão.
Isso também é a vida, de um jornalista comunitário.
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