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Eduardo Antunes - Advogado

DIREITOnews | Lula em sala de Estado Maior ou em prisão especial?


Essa semana, mais uma vez, o Direito e a política andaram de mãos dadas no noticiário brasileiro, como têm acontecido nos últimos anos. Dessa vez, a prisão do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva sacudiu as redes sociais e continuou a dividir o Brasil entre pessoas anti-Lula e pessoas pró-Lula.

Lula se entregou à Polícia Federal para começo do cumprimento da pena privativa de liberdade imposta pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) e, por determinação do juiz Sérgio Moro, encontra-se preso na sede da Polícia Federal em Curitiba.

Em sua decisão, o juiz federal mais famoso do país determinou que não houvesse uso de algemas em nenhuma hipótese, o que contraria a Súmula Vinculante nº 11 e ordenou que, pela dignidade do cargo já ocupado pelo condenado, que o mesmo fosse recolhido em sala reservada, tal qual sala de Estado Maior. No que tange ao primeiro equívoco de Moro, não pode um juiz determinar que não se use algemas em “nenhuma hipótese”, haja vista que o Supremo Tribunal Federal (STF), na Súmula Vinculante já mencionada, determina que “é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros”. Ou seja, em que pese o uso da algema só possa acontecer nesses casos e, ainda, ser uma faculdade do juiz (o juiz não está obrigado a determinar o uso das algemas), não poderia o magistrado proibir o uso das algemas em qualquer caso.

Dito isso, passamos a entender o que vem a ser a tal sala de Estado Maior e quem, por lei, teria direito a tal prerrogativa. Também, vamos distingui-la da prisão especial, visto que há muita gente pela internet confundindo alhos com bugalhos.

O art. 7º, V da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da OAB) diz que é direito do advogado “não ser recolhido preso, antes de sentença transitada em julgado, senão em sala de Estado Maior, com instalações e comodidades condignas e, na sua falta, em prisão domiciliar”. Assim, o advogado só pode ser preso antes do trânsito em julgado se for em sala de Estado Maior ou, se não houver, em seu domicílio. Contudo, após a condenação definitiva, essa exigência não existe. A mesma regra encontra-se na Lei Complementar nº 35/79 (Lei Orgânica da Magistratura), alcançando os magistrados de todo país e no art. 40, V da Lei nº 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público).

Já o art. 44, III da Lei Complementar nº 80/94 (Lei Orgânica da Defensoria Pública da União) prevê uma regra diferente. Lá, haverá prisão em sala de Estado Maior mesmo após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

Segundo o STF, sala de Estado Maior é (1) uma verdadeira sala, e não cela ou cadeia; (2) instalada no Comando das Forças Armadas ou de outras instituições militares; (3) um tipo heterodoxo de prisão, pois destituída de grades ou de portas fechadas pelo lado de fora. Com isso, seja pela configuração da carceragem da Polícia Federal em Curitiba, seja por Lula não ser membro de quaisquer das carreiras antes delineadas, o ex-presidente não faz jus e não está, de fato, preso em sala de Estado Maior. Daí surge uma outra figura conhecida no Processo Penal: a prisão especial, prevista no art. 295 do Código de Processo Penal. Essa prisão se difere da comum exclusivamente por sua localização, não contando com qualquer configuração específica, diferentemente da sala de Estado Maior. Ou seja, é cela comum, mas separada dos demais presos. O mencionado artigo dá o direito da prisão especial, até a condenação definitiva, às seguintes pessoas: (1) os ministros de Estado; (2) os governadores ou interventores de Estados ou Territórios, o prefeito do Distrito Federal, seus respectivos secretários, os prefeitos municipais, os vereadores e os chefes de Polícia; (3) os membros do Parlamento Nacional, do Conselho de Economia Nacional e das Assembleias Legislativas dos Estados; (4) os cidadãos inscritos no "Livro de Mérito"; (5) os oficiais das Forças Armadas e os militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios; (6) os magistrados; (7) os diplomados por qualquer das faculdades superiores da República; (8) os ministros de confissão religiosa; (9) os ministros do Tribunal de Contas; (10) os cidadãos que já tiverem exercido efetivamente a função de jurado, salvo quando excluídos da lista por motivo de incapacidade para o exercício daquela função; (11) os delegados de polícia e os guardas-civis dos Estados e Territórios, ativos e inativos.

Resumindo: sala de Estado Maior é um compartimento sem as características de cela e os advogados, magistrados, membros do Ministério Público e Defensores Públicos têm direito a ficar presos nela, sendo que estes últimos têm direito de cumprir a totalidade da pena em dependência separada. Prisão especial é uma cadeia como qualquer outra, mas separada dos demais presos e, mesmo assim, somente até a sentença definitiva.

Com efeito, Lula não se enquadra em qualquer das hipóteses acima e, portanto, deveria estar em presídio comum. A “dignidade do cargo ocupado” não é razão suficiente para enfraquecer o princípio constitucional da igualdade, previsto no art. 5º, II da Constituição Federal de 1988. A absurda justificativa para os que defendem o direito do ex-presidente vem do seguinte raciocínio: Lula, como ex-presidente, foi Chefe Maior das Forças Armadas e, portanto, seria equiparado a um Oficial da reserva, o que nos parece uma forçosa analogia.

Lamentamos profundamente que a lei seja usada de maneira casuísta, seja em prejuízo ou em benefício do ex-presidente Lula. Para nós que militamos diariamente com pessoas em busca de justiça e somos cobrados pelos resultados e pela boa aplicação da lei, é quase impossível explicar o mar de insegurança jurídica no qual mergulhou o país na última década.

Dúvidas e sugestões? Escreva para mim através do meu e-mail (eduardolmantunes@gmail.com).

Eduardo Antunes é advogado e professor. Pós-graduado em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Gama Filho, pós-graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade Gama Filho e pós-graduado em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes.

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