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Eduardo Antunes - Advogado

DIREITOnews | Prisão após segunda instância: entender para debater


Um grande frisson tomou conta do noticiário nacional e das redes sociais nos últimos dias: a reanálise, por parte do Supremo Tribunal Federal (STF), da possibilidade de execução da pena após a condenação do réu em 2ª instância. Tudo motivado pelo habeas corpus preventivo impetrado pela defesa do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva que, condenado a 12 anos e 1 mês de prisão pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, temia a ordem de imediato cumprimento da pena, após o julgamento dos embargos de declaração interpostos pelos advogados do petista.

Precisamos entender o que diz a Constituição e a lei processual penal para que possamos debater com mais qualidade o assunto, seja entre amigos ou em família, e para que não caiamos nos engôdos gerados pelas redes sociais, sempre recheadas de “especialistas”.

O art. 5º, LVII da Constituição Federal de 1988 diz que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Isso quer dizer que, antes de julgados todos os recursos, ninguém poderá ser tido como culpado. Esse é o famoso princípio da presunção de inocência ou, para os operadores do Direito, o princípio da não culpabilidade.

Para melhor ilustração, esclarecemos que o caminho normal de um processo penal é o seguinte: o juiz de 1ª instância dá a sentença, havendo recurso para o Tribunal de 2ª instância (Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal), onde os desembargadores prolatarão um acórdão, havendo recurso para o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e, por último, ao Supremo Tribunal Federal (STF). Assim, popularmente falando, temos quatro “instâncias”. Até que haja decisão definitiva sobre o caso, o réu não pode ser considerado culpado.

E como prender uma pessoa que não pode ser considerada culpada? Há dois caminhos: o primeiro é a prisão cautelar (flagrante, preventiva ou temporária), mas essas só podem ser efetivadas em casos específicos; o segundo é a execução da pena após a decisão de 2ª instância, o que vem sendo debatido atualmente.

Em fevereiro de 2016, o Supremo Tribunal Federal decidiu, por 7 votos a 4, nas Ações Diretas de Constitucionalidade nº 43 e 44, que a sentença condenatória pode ter sua execução iniciada tão logo se concluam os julgamentos no âmbito do Tribunal estadual ou regional, prescindindo da análise pelos Tribunais Superiores. Em outubro do mesmo ano a questão voltou à pauta, havendo a ratificação do entendimento da Corte Suprema.

Os argumentos são vários. Para aqueles que são a favor da execução da pena após condenação em 2ª instância, o princípio da não culpabilidade deve ser ponderado com o princípio da efetividade da justiça e, portanto, punir “no meio do caminho” é algo razoável.

Também avaliam que os recursos no âmbito do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal não avaliam fatos, mas somente matéria de direito (Súmula nº 279/STF e Súmula nº 7/STJ) . Assim, a dúvida de se o réu cometeu ou não o fato ilícito já estaria resolvida e, nessa linha, com os fatos imutáveis, a punição se mostraria razoável. Outro argumento é de que os recursos na esfera dos Tribunais Superiores não contam com o efeito suspensivo, ou seja, não suspendem os efeitos da decisão anteriormente tomada.

Já para aqueles que são contra a execução da reprimenda antes do trânsito em julgado, a literalidade da Constituição não deixa margens para dúvidas. Punir um cidadão presumidamente inocente é algo que violaria a dignidade da pessoa humana e desestabilizaria o Estado Democrático de Direito. Além disso, a lei processual penal já prevê ferramentas que levam ao cárcere o réu antes mesmo de começar o processo, mas isso só pode ocorrer se respeitados os requisitos do art. 301/302 (prisão em flagrante) ou art. 312/313 (prisão preventiva) do Código de Processo Penal ou da Lei nº 7.960/89 (prisão temporária). Dessa forma, a prisão antes do trânsito em julgado sempre foi exceção, mesmo nos tempos da criação do Código de Processo Penal (1941, em plena ditadura da Era Vargas).

Se na ditadura a prisão antes do trânsito em julgado era exceção, como ser a regra na democracia?

Os ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Teori Zavascki, Luiz Fux, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia votaram, na última oportunidade, a favor da prisão em 2ª instância. Já os ministros Marco Aurélio Mello, Rosa Weber, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello votaram contra a execução antecipada da pena, sendo que Dias Toffoli havia votado, na primeira vez, a favor da prisão.

O colunista que vos fala fica com a segunda opção. Na minha percepção, a liberdade é a regra até o trânsito em julgado e, como já dito, já há possibilidade de prisão antecipada, desde que haja real motivação para isso. Criar mais uma possibilidade de prisão para cidadãos presumidamente inocentes é ressuscitar o fantasma do Anos de Chumbo, quando convivemos com a tal “prisão para averiguação” e institutos afins. Além disso, precisamos entender que o sistema judicial brasileiro é falho e as penitenciárias estão recheadas de inocentes e, nessa direção, acelerar o encarceramento só contribui para aumentar as enormes injustiças já existentes.

O fato é que Lula trará, através de sua defesa técnica, novamente a discussão à baila e esperamos que, independe do resultado, o julgamento será jurídico, não político.

Dúvidas e sugestões? Escreva para mim através do meu e-mail (eduardolmantunes@gmail.com).

Eduardo Antunes é advogado e professor. Pós-graduado em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Gama Filho, pós-graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade Gama Filho e pós-graduado em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes.

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