DIREITOnews | Prisão domiciliar: um direito do cidadão; um dever do Estado
O Direito Penal contemporâneo é pautado não no puro sentido repressivo dos institutos penais, mas na condição ressocializadora do indivíduo que cometeu um ou mais atos contrários à ordem jurídica vigente. O apenado é um ser humano e como tal deve ser encarado em todas as fases da persecução criminal, tendo respeitados seus direitos e garantias previstos na Constituição Federal, nas leis e nos atos normativos infralegais.
Um desses direitos é a prisão domiciliar que, quando preenchidos os requisitos legais, deve ser concedido ao preso, seja em sede de prisão cautelar ou de prisão pena. Essa garantia está intimamente ligada à dignidade da pessoa humana, fundamento básico da República (art. 1º, III da Constituição Federal) e não pode ficar ao arbítrio do julgador como, na prática vem acontecendo.
A prisão domiciliar pode ser aplicada em duas fases: na prisão preventiva ou na prisão pena. A primeira se faz presente quando o acusado ainda está respondendo ao processo e ainda não recai sobre ele a certeza da culpabilidade. Por óbvio, somente é possível quando, primeiramente, existirem, no caso concreto, os requisitos autorizadores da prisão preventiva, presentes no art. 312 do Código de Processo Penal, caso contrário, deverá ser posto em liberdade. Já a segunda se faz presente quando o apenado já tem contra si uma decisão condenatória transitada em julgado ou, aos olhos do recente julgado do Supremo Tribunal Federal, que permitiu a execução da pena após condenação em segunda instância, uma decisão de órgão colegiado.
A prisão preventiva domiciliar prevê que, caso o preso 1) seja maior de 80 anos ou; 2) esteja extremamente debilitado em razão de doença grave ou; 3) seja imprescindível aos cuidados de pessoa menor de 6 anos ou deficiente ou; 4) esteja gestante ou; 5) se, mulher, tenha filho menor de 12 anos ou; 6) se homem, seja o único responsável por filho menor de 12 anos; deverá o juiz substituir a prisão preventiva pela prisão domiciliar, nos contornos do art. 318 do Código de Processo Penal.
Já a prisão pena domiciliar prevê que, caso o preso esteja em regime aberto e 1) seja maior de 70 anos ou; 2) esteja acometido de doença grave ou; 3) se mulher, tenha filho menor ou deficiente ou; 4) esteja gestante; deverá o juiz da Vara de Execuções Penais, permitir que o restante da pena seja cumprido em residência particular, nas curvas do art. 117 da Lei de Execuções Penais.
Como se nota, as hipóteses são ligadas à idade, condição de saúde e à proteção à família, notadamente para garantir aos filhos menores a proteção de seus pais, garantindo direitos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente.
As previsões legais possuem caráter objetivo e, assim, não comportam avaliação subjetiva por parte do magistrado, ao contrário do que ocorre no mais das vezes, dano azo a julgamentos sectários em que Adrianas Ancelmos têm o direito preservado enquanto Marias não.
Percebemos que, diante da crise financeira estatal sem precedentes e diante do histórico de superlotação dos presídios, a prisão domiciliar surge como uma alternativa viável para que 1) se aliviem os cofres governamentais, porquanto um preso custa R$ 2,5 mil por mês ao Estado; 2) dê dignidade ao preso e não o submeta ao torturante cárcere dos dias atuais; 3) permita que os filhos, na sua infância, tenha a companhia de seus pais, não permitindo, dessa forma, que a punição passe da pessoa do acusado, infringindo o princípio constitucional da individualização da pena.
Evidente que, concedido o direito à prisão domiciliar, o preso deverá ser monitorado eletronicamente e, em alguns estados, como o Rio de Janeiro, os juízes estão permitindo o gozo do direito tão somente àqueles que possuem recursos para custear a tornozeleira, eis que o Estado não dispõe de suficientes numerários. Entendemos, nesse particular, que decisões como essa ferem o princípio da igualdade, o princípio da dignidade da pessoa humana e distorcem os fins sociais do instituto penal.
Certo é que o sentimento de revanchismo ou de severa punibilidade que, nos dias de hoje, habita o coração de muitas pessoas, não pode se sobrepor à lei, tampouco a princípios de envergadura constitucional. O ser humano jamais deixará de ostentar tal condição, independentemente do desatino que possa cometer em sua caminhada. Portanto, que Marias e Josés possam alcançar os mesmos beneplácitos que Ancelmos e Cabrais.
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Eduardo Antunes é advogado e professor. Pós-graduado em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Gama Filho, pós-graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade Gama Filho e pós-graduado em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes.