DIREITOnews | Lula: mártir político ou criminoso do colarinho branco?
Diante do fervor causado pelo julgamento do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva pela 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, imperioso se faz analisar os aspectos jurídicos da condenação do político em segunda instância.
Destarte, vale esclarecer que, por mais que o assunto tenha sido exaustivamente abordado por juristas, o mesmo sempre merecerá especial atenção e comportará, sem dúvidas, os mais variados enfoques, visto tratar-se da mais polêmica decisão judicial da história recente do país.
Por óbvio, a análise mais aprofundada dos fatos não fugirá, invariavelmente, de um tangenciamento político, haja vista a figura pública que foi alvo do acórdão condenatório. Contudo, a discussão do tema fugirá da dicotomia comumente feita entre socialistas e capitalistas, entre esquerda e direita e, como largamente cunhado, entre coxinhas e mortadelas.
O político mais famoso do Brasil na atualidade foi acusado pelo Ministério Público Federal do cometimento dos crimes de corrupção passiva (previsto no art. 317 do Código Penal) e “lavagem” ou ocultação de bens ou valores (previsto no art. 1º da Lei nº 9.613/98), por supostamente ter recebido bens de empreiteira investigada na Operação Lava Jato.
No âmbito do primeiro grau de jurisdição, o juiz federal Sérgio Moro condenou o presidenciável a 9 anos e 6 meses, mas não determinou a prisão do político, por temer um forte clamor social e eventual instabilidade política.
Insatisfeitos com a reprimenda aplicada por Moro, tanto o Ministério Público Federal quanto o acusado recorreram ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, sendo certo que a pena foi, nessa oportunidade, majorada, alcançando 12 anos e 1 mês, em regime inicialmente fechado.
Em que pese a complexidade da vergastada ação penal, o julgamento do recurso se deu em tempo recorde para os padrões do Judiciário brasileiro, o que denota o peso do viés político, passando à frente de outras ações penais que também envolviam mandatários populares.
Em verdade, a grande celeuma que gira em torno da condenação é a fragilidade das provas que lastrearam o desfecho desfavorável ao ex-líder do país. Infelizmente, o Código de Processo Penal, datado de 03 de outubro de 1941, em plena vigência do Estado Novo de Vargas, e inspirado na legislação penal italiana da década de 30, fortemente influenciada pelo Regime Fascista de Benito Mussolini, prevê, em seu Capítulo X, do Título VII (das provas), que os indícios podem dar base para sentença condenatória.
Indícios, segundo o art. 239 do Códex Processual Penal, é “a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias”. Em outras palavras, se um fato for provado, outros ligados a ele podem ser presumidos, levando ao cárcere pessoas inocentes, no sentido constitucional, por meros “achismos”.
Tal previsão legal possibilita ao julgador dar “asas à imaginação” e transmitir para sua decisão impressões pessoais, convicções religiosas, filosóficas e políticas, o que é extremamente reprovável. E foi exatamente por esse caminho que a ação penal trilhou.
O juiz “pop star”, frequentemente clicado com adversários políticos do réu a ser julgado, não economizou ilações em desfavor de Lula e rascunhou toda má sorte do ex-presidente. Agiu como político, ora de toga, ora de gravata borboleta.
Como segundo capítulo dessa longa novela, os desembargadores que compõem a 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, com a mais pura franqueza que se possa esperar deste colunista, não quiseram se comprometer e, em julgamento surpreendentemente unânime, elevaram o castigo a ser imposto ao “pai dos pobres”, adicionando amargos 2 anos e 7 meses.
Com a confirmação da condenação, Lula fica inelegível, nos contornos do art. 1º, I, e, 1 e 6 da Lei Complementar nº 64/90, com as alterações trazidas pela Lei Complementar nº 135/2010, apelidada de Lei da Ficha Limpa.
Os “indícios” levaram o mais popular presidente da história a abdicar, forçosamente, da vida pública e os indícios mostrarão, num futuro não muito longínquo, a verdadeira motivação do julgamento ocorrido essa semana.
É inconcebível que juízes transitem sob os holofotes da imprensa, nos corredores do Planalto e nos tapetes ianques, sob pena de aniquilarmos por completo a imparcialidade que deve tomar conta do espírito do magistrado.
Enquanto houver a politização dos tribunais e a judicialização da política, a separação entre os Poderes, insculpida por Charles-Louis de Secondat (mais conhecido como Montesquieu) jamais alcançará sua plenitude e continuaremos nas mãos das infelizes casuísticas.
Nas sábias palavras do político francês François Pierre Guillaume Guizot, “quando a política penetra no recinto dos Tribunais, a Justiça se retira por alguma porta”.
Em pleno ano eleitoral, o pleito foi decido nos tribunais, porquanto o líder isolado das pesquisas de intenção de votos foi retirado do páreo por uma, ou melhor, três canetadas. A soberania popular foi a julgamento...e perdeu.
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Eduardo Antunes é advogado e professor. Pós-graduado em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Gama Filho, pós-graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade Gama Filho e pós-graduado em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes.