DIREITOnews | Discriminação nas relações de trabalho
Aproveitando o ensejo de quando fomos instados a opinar sobre episódio ocorrido na semana passada, em que uma candidata a uma vaga de emprego foi questionada sobre sua religião, vamos falar sobre discriminação no ambiente de trabalho, esmiuçando o assunto para que não restem dúvidas.
Os personagens envolvidos nas relações de trabalhos devem observar alguns valores e princípios para que se mantenha a harmonia na convivência entre empregados e empregador. O art. 1º, IV da Constituição Federal eleva o trabalho ao patamar de fundamento da República Federativa do Brasil, demonstrando a enorme relevância do tema.
Como evidente, o empregador, na enorme maioria das vezes, é a parte mais forte, notadamente no que concerne ao poderio econômico e à relação de subordinação e dependência econômica à qual o empregado se submete. Contudo, todo poder vem acompanhado de um dever que lhe corresponde.
Nessa linha, a Lei nº 9.029/95, em poucos artigos, visa tolher as práticas nefastas ocorridas comumente durante processos seletivos. O art. 1º da lei determina que “é proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho” e, logo em seguida, traz um rol meramente exemplificativo de hipóteses como sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade etc. Quando a barreira é ligada ao direito de reprodução, a postura do empregador pode configurar crime, nos contornos do art. 2º do diploma legal.
Noutra monta, a Convenção nº 111 da Convenção Internacional do Trabalho (OIT), incorporada ao nosso ordenamento jurídico pelo Decreto 62.150/68, vai além e fragmenta ainda mais os conceitos sobre discriminação e o compromisso que os Estados signatários devem ter no combate às espúrias condutas. Todavia, não é só na hora de contratar que o patrão deve tomar cuidado. No curso da relação de trabalho, o empregado deve ser respeitado e, em determinadas ocasiões, a dispensa pode ser também tida como discriminatória. A título de exemplo, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) editou a Súmula nº 443, em que se presume discriminatória a dispensa de empregado portador do vírus HIV ou outra doença grave que enseje estigma ou preconceito.
Dependendo da intensidade e da periodicidade dos movimentos, restará configurado o tão falado assédio moral descendente, situação na qual o superior hierárquico trata com extremo rigor o subordinado, a ponto de ferir o campo moral do empregado, o que pode trazer severas consequências em prejuízo do assediador.
Com efeito, não pode o empregador exigir além da capacidade técnica, da experiência e da idoneidade de seu subordinado, ficando proibido que quaisquer características que fujam da seara profissional possam ser levadas em consideração. Pensar o contrário é dar azo ao que a doutrina denomina de classificação suspeita ou discriminação odiosa.
Por óbvio, tudo deve ser analisado caso a caso. É claro que, caso a Igreja Universal do Reino de Deus, pretenda contratar recepcionistas, lhe será lícito exigir que as mesmas sejam seguidoras da religião. De igual modo, caso um clube de futebol esteja realizando testes para contratação de um goleiro, é razoável que exija altura mínima. Entretanto, nesses casos, a exigência guarda íntima relação com o cargo ou a instituição contratante.
Caso o empregado ou candidato se sinta lesado, poderá se socorrer através do Ministério Público do Trabalho, do sindicato profissional ou do próprio Poder Judiciário que, em percebendo a ilegalidade, poderá determinar a reintegração do empregado indevidamente demitido e/ou a condenação por dano extrapatrimonial do candidato.
Infelizmente, é comum que, em meio à escassez de vagas no mercado de trabalho, os empregadores exorbitem de seu poder diretivo, mas os princípios constitucionais não podem ser olvidados, sob pena de mácula ao Estado Democrático de Direito e premente desordem social.
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Eduardo Antunes é advogado e professor. Pós-graduado em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Gama Filho, pós-graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade Gama Filho e pós-graduado em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes.